Medo, mãe

Hoje eu senti medo. Fazia tempo que eu não sentia isso, essa coisa grande e fria, medo. Senti medo, mas não um medo com pavor: foi um medo com decepção. Medo de me decepcionar, medo de ter feito a coisa errada - ou de ter feito a coisa certa, mas de ser agredido por ter feito a coisa certa por aqueles que fizeram a coisa errada. Senti medo de falar, de comentar, de opinar. É muito assustador: ser fulminado, incinerado, patrolado: o que estava em discussão não era o lado certo ou o lado errado (esse era o disfarce do fascismo), mas o que estava e ainda está em jogo são as estratégias de definição daquilo que será considerado certo (a suposta substância do certo) e a definição daquilo que será considerado errado (a suposta substância do errado). É que quem se considera certo também se supõe dono da substância, detentor da essência, possessor da identidade. Senti medo desse jogo de produção de verdade: ele sempre produz pequenos monstros e novos ditadores. Os ditadores dizem "somos democráticos", mas não reconhecem a legitimidade daqueles que estão fora de suas fronteiras. É um fascismo bem requintado: promove suas boas intenções negando aquilo que o define, a saber, a impossibilidade de fazer crescer vida fora dos domínios que governa.