Jamais escreverei um romance

[...]alar o menos possível. Porque o que mais tem aí fora são pessoas falando e gritando, criança chorando, esposa querendo afeto de macho e macho querendo desejo de outro macho. Falar o menos possível, o silêncio: quanto exercício. Talvez eu deixe separada em uma das minhas gavetas uma carteira de cigarros, porque quando eu fumo eu penso – necessariamente. Eu sou capaz de ir lá no saguão do prédio pra fumar, não apenas pra isolar a casa do cheiro da nicotina e do alcatrão, mas também para ficar sozinho e separado de toda gente. Pra escrever textos com as cinzas. Pra não ser eu mesmo – e é tão clichê dizer isso depois de Clarice. Fumar um long cigarette com um vestido sereia, perolado, com uma piteira imensa, deitado em uma chaise negra. Cruzar a linha do possível e te arrancar do nada, te arrancar da inércia, te acomodar entre meus braços e te levar nessa onda tumultuosa que eu vivo. Aceitas? Escrever essas coisas depois de Clarice não é nada fácil. Te arrancar do nada e trazer pra essa flora profunda, de raízes radículas, que te engolfam e te calam a boca se eventualmente tu quiser me elogiar. Pra isso não pronuncie palavras: apenas emita sons guturais, emita gemidos, vibrações vocais. Não há nada no mundo que me irrite mais na hora da sedução que palavras. Gema. E revire os olhos. Fale o menos possível quando eu te arrancar da linha do possível. Encoste teu corpo todo no meu, desde os dedos dos pés, as pernas, os quadris, a barriga (eu gosto de barrigas), o peito, os braços, os ombros; encoste as costas e a bunda e a nuca. Vire-se do avesso. Fale o menos possível. Jogue um beijo no ar: ele vai se cravar no meu rosto. Eu não escrevo romances por isso (e por várias outras razões): porque começo escrevendo sobre uma coisa e me grudo em outras, sem seleção, e sigo seus rumos. Não haverá romance pra esse trânsito: primeiro porque um romance não pode ser infinito, porque ele precisa ter um ponto final, uma página de fim, um posfácio, um silêncio. E meus grudes nas coisas que seguem é intenso, é caótico. Não caberia nessa estreiteza física do romance. Segundo porque um romance precisa de um título, e um título é sempre um jeito que a gente acha de resumir, de condensar, de sintetizar a coisa toda. E não se trata disso: o objetivo é multiplicar, cortar, enxertar. Múltiplas experiências a partir dos textos, a partir de uma cena, de uma frase ou de uma palavra – ou de um som, de um gemido, de uma vibração gutural –, multiplicar os caminhos e expandir o texto. Rasgar as linhas. Jamais haverá título, nem subtítulo, para um romance meu. Porque é preciso falar o men[ ...]