"Todo ser que viveu a aventura humana sou eu" (YOURCENAR, 2003, p. 267).

a da mais plástica solidão. da condição permanente de precariedade, estado de vulnerabilidade cujo volume ora aumenta, ora diminui. "todo" ser não é "todos" os seres. eu sou um ser inteiro a quem aconteceu o acidente de viver a aventura humana. nem tudo do meu ser a viveu. mas as partes minhas que viveram habitaram a humanidade esvaziada de companhia como um grito na noite chuvosa que não tem eco. a vida é um grito no vazio, sem eco. nem todo ser que vive sabe da aventura humana. há quem viva e não se aventure pelo humano. não se pode conferir qualquer precariedade humana a qualquer aventura que os seres eventualmente tenham em vida; há critérios. ser precário é condição de todo ser em vida, mas a precariedade é distribuída de maneira desigual entre aqueles que vivem. a aventura consiste em espreitar os gradientes mais intensos da precária condição de viver. a condição precária de viver sou eu. tornei-me a própria aventura, a própria e intensa precariedade. eu não sou todos os seres, mas somente aqueles que viveram a aventura humana: sou um só. como eu, outros podem tê-la vivido, mas suas condições precárias os impedem de conversar comigo. que outro tipo de aventura existe além da humana? o triste testemunho de quem só ouve a narrativa de sua própria vida por meio de rumores mal articulados pelas bocas dos outros. a flácida imagem de si mesmo que só emerge na superfície míope dos olhares dos outros. a decepcionante memória deslegitimada que não conta com nenhum companheiro para compartilhar a verdade aventureira que é ser humano. todo ser que viveu a aventura humana sou eu: sozinho.