A bicha linda

Foi cômica e circense a imagem que vi refletida ali: um olhar vesgo e desencontrado em perfeita harmonia com a assimetria dos traços, uma fronte transparente de sinceridade sustentada por um longo pescoço patético, cabelos escuros, desgrenhados, plissados e indomáveis que faziam as vezes de moldura para meu rosto oblongo como um gigantesco clitóris. Meu rosto me pareceu um quadro cubista pintado por Picasso num dia de muito, mas muito mau humor. Eu não precisara tomar nenhum psicotrópico para turvar minha visão e então ver aquela nova forma de feiúra em que se constituía minha feição. Meus músculos flácidos... Minhas gorduras tão concentradamente localizadas. Os dentes tortos, apinhados, amontoados uns sobre os outros na mandíbula inferior, mas que na superior se separavam por demais deixando que dois gatos passassem por entre eles, brigando. Os pêlos grossos e negros, espalhados desordenadamente sob a pele áspera de caminhoneiro sujo de graxa, pêlos encravados em torno dos quais criavam-se pústulas dérmicas em tons degradê de amarelo até chegar o verde. Olhei bem dentro dos meus olhos negros e amorfos pra dizer: "Tá linda, bicha. A-HA-ZAAA!"