Cadê a bóia?

Aí ontem aconteceu de eu ir a uma casa noturna para homens homoeroticamente inclinados. Viados mesmo.

Os motivos da minha exasperação não dizem respeito exatamente às roupas, apesar de serem paupérrimas. Até gosto da assimetria de estilos, gosto da junção bebelesca de modos de jogar a mesma camiseta branca sobre a mesma calça jeans cintura baixa, com as mesmas e indefectíveis calças capri. Também não me incomodo com a variedade assustadora de corpos; esse inclusive é um dos pontos fortes do local. As bunitas colocadas no pó, bíceps e deltóide bem trabalhados e “limpos” de gordura; as monas fashion com seus cachecóis imensos e cabelos desgranhados, lápis de olho e base na cara; os militares enrustidos ainda pensando que o DOPS vai tortura-los assim que sua fúria anal for acalmada depois de um rápido blow job no banheiro (disso não estamos tão distantes, vide o caso dos milicos que assumiram sua condição homoerótica em cadeia nacional de TV e em seguida foram presos); as rachas metidas a moderninhas que se assustam com uma dose de whisky bem servida, com uma cueca bem à mostra, com um beijo bem dado e com uma pegada mais forte. Nem a diáspora das barbas, dos pentelhos encaracolados e das vozes de barítono (às vezes de soprano, de castrati) chega a me dar no saco. Nada disso me irrita, nada disso me incomoda.

O que me causa arrepios é o fetichismo com que o corpo é produzido e celebrado. Minha implicância é com o fetiche, e não com os corpos. Minha implicância é com a cara faz-de-conta, o famoso carão; minha indignação é com a assepsia dos gestos e o comportamento da fala, com os atos da fala, com aquilo que é dito e da maneira com que é dito; meu incômodo diz respeito à produção exacerbada de performances cult, de performances top, à americanização do flerte; meu choque é por causa da transformação do sexo em fitness, e da conversão do aeróbico em orgasmo.

E fiquei por ali um tempo, próximo da escada, com um copo de plástico cheio de cerveja e com a mão tapando a boca para que meus pensamentos não fugissem por ela. Fiquei por ali encostado no pilar, assistindo com tristeza a esquete teatral que montaram ontem à noite, esperando que alguém do barco salva-vidas me jogasse uma bóia. Alguém, por favor!, me joga uma bóia?