Um rompante

O que fazemos do beijo? E se o beijo surge, rompendo os lábios, se impondo às duas (ou três ou quatro, ele não lembrava) bocas sem que elas planejassem ser tocadas?

Pra ele, aquilo foi um momento, um acontecimento: dependeu de acomodações para ser levado a efeito, mas demorou muito mais tempo para ser compreendido do que levou para ser executado. Um beijo, dois beijos, três beijos... E numa tentativa de compartimentalizar o toque dos lábios e o roçar das línguas, já não pôde dizer onde começava seu corpo e onde as fronteiras do outro se chocava com as do próximo. Sofreu com seu fracasso classificatório: culpou-se por ser promíscuo, por ser fácil, por ser bêbado: beijar a boca de outros homens só não era pior porque da culpa de ser homem ele não sofria – nem nenhum outro.

Mas depois de passada a dor de cabeça pela desidratação, depois de vomitar o almoço e janta que não tivera, depois de jurar que o destilado mexicano não faria mais parte de seu cardápio, ele voltou a assumir pra si a responsabilidade primeira – eu diria última – pelos beijos dados e pelos beijos não dados. Isso porque um beijo dado nunca corresponde, em volume e em intensidade, ao beijo não dado. O beijo não dado sempre é mais longo, sempre é mais molhado e sempre tem a língua mais macia e furiosa.

O beijo que não se deram prometeu as palavras que se calaram nos beijos dados.