Cartas a uma jovem bicha - Uma possível resposta a uma inesperada pergunta

Tu me perguntas: o quanto da vida humana se perde na espera? Eu te respondo: na espera nada se perde, na espera tudo se transforma.

Veja meu exemplo. Esperei anos para poder tocar e ser tocado, e quando finalmente pude fazer e deixar que fizessem o toque não era nada daquilo que eu acreditava ser. Houve momentos em que foi melhor, houve outros em que foi pior, mas te digo que na minha espera eu construí e reconstruí tantos significados, tantos, para isso a que esperava, montei cenas e esquetes teatrais para poder dar sentido ao toque, para poder dar contexto ao toque... E nada saiu como eu imaginava. O tempo que gastei esperando não foi gasto exatamente na espera; foi gasto na constante invenção daquilo que eu esperava.

Também esperei pelo medo. E esse chegou bem como eu o previra, gelado e certeiro. Na minha espera pelo medo, ele veio em meu encalço e me alcançou sem contratempos. O terror e o desespero também chegaram. Na minha espera eu me preparei e me tranqüilizei, de modo que quando ela acabasse eu tivesse como lidar com tudo aquilo que estava por vir – e que veio, de fato.

É bem verdade que a espera pode não ter um fim. O esperado pode nunca chegar, de modo que sua chegada se converta em adiamento e cancelamento. O segredo da espera, nesse caso e em outros, acredito ser a diligência com que lidamos com ela. Se com paciência questionamo-nos sobre os motivos pelos quais esperamos um sentimento, uma pessoa, um ônibus ou um evento, somos capazes de abandoná-los. Ou de persistir esperando-os. A espera, se assim a compreendemos, tem menos a ver com aquilo ou com aqueles que esperamos, e mais a ver com o que desejamos fazer quando aquela “coisa”, situação ou pessoa nos chegar. O que tu esperas, meu amigo, daquele que tu estás à espera? O que de ti está colocado nisso que aguardas?

De antemão, eu já destruí qualquer condição que me faça esperar, por exemplo, pela simpatia dos outros. Não espero mais por isso. Também deixei de esperar, muito recentemente aliás, qualquer rapaz de cuecas limpas, olhos penetrantes e barba no rosto. Na minha agenda não há mais horários para eu esperar por reconhecimento, ou admiração. Simplesmente não faz sentido eu esperar por eles. Algumas esperas são maneiras bastante efetivas de aprisionamento e culpabilização. O que nas tuas esperas te imobiliza a conquistar outras coisas? O que nas tuas esperas te impede abandoná-las?

Esperas e aguardos não têm necessariamente a ver com tempo, imagino que tu bem saibas. Eles não têm a ver com a quantidade de horas e minutos que se passam até aquilo ou aquele nos chegar. Por outro lado, penso que esperas e aguardos têm a ver com trajetórias, com afetos, com sensibilidades. Não esperamos aquilo ou aqueles que não podemos esperar. E nossos aguardos só se apresentam e só se desfazem quando nossas trajetórias nos permitem fazê-los. Quantas e quantas esperas tu ainda não podes fazer? Quantas e quantas esperas tua trajetória ainda vai te colocar? Será que essas que vives agora serão as únicas ou as mais importantes?

De um modo geral, não tenho uma resposta definitiva àquilo que me perguntas. Ainda bem que não tenho. Penso ser importante que tu aches tuas próprias respostas. Mas também acho importante que tu mesmo formule tuas próprias perguntas dentro daquilo que podes te perguntar. Sobretudo, te provoco em três sentidos: a espera é uma ferramenta para a transformação; a espera tem mais a ver com nós mesmos do que propriamente com aquilo ou aquele que esperamos; a espera não deve nos aprisionar.

Como te sentes agora?