E hoje eu também aprendi que ......

É fundamentalmente diferente tirar o pó dos meus móveis hoje do que foi tirar o pó deles quando eu recém cheguei aqui onde moro, há 9 anos. Porque pó, pó mesmo, esse grosso e ruidoso pó que quando cai e assenta sobre meus móveis faz aquele estrondo de madeira caindo, esse pó pra mim não existia. O pó que se coloca hoje sobre meus móveis, camadas arqueológicas de meses sem espanar: esse pó não era pó há 9 anos. O pó de hoje fora rocha, depois pedra, depois pedregulho, depois pedrinha, depois chão batido. O pó de hoje me é totalmente estranho e estrangeiro. Amigos me aconselharam a manter as janelas do apartamento sempre fechadas para que o pó não entre. Meus amigos e minhas amigas não vêm mais me visitar porque as camadas de pó dentro do meu apartamento só me permitem entrar e sair dele, e circular aqui dentro com certa dificuldade. Minha autoestima, por exemplo, precisa dormir na sacada porque não há mais espaço entre as camadas de pó que eu fui deixando cair sobre os móveis da minha casa. Os móveis mudaram de 9 anos pra cá: novas estantes, novas televisões (4 no período de 8 anos, média de 1 a cada 2 anos, sou pequeno-burguês classe média). Novos computadores (6 novos, contando com 2 notebooks). A cozinha foi toda refeita. A área de serviço também. O quarto se mantém pelo roupeiro – que é um dos móveis que mais acumula pó. E a sala se mantém pelo sofá, que é o mais desconfortável que eu conheço. Pessoas fogem do meu sofá só de ouvir falar que ali onde agora se vê marrom já foi branco um dia (não há 9 anos, mas talvez há 11 ou 15 anos). Hoje meu banheiro foi reformado e ganhou rejuntes brancos novinhos. E um novo cano para a descarga do vaso sanitário. Plantei flores nos espelhos, e das centenas de livros que tenho aqui eu fiz quatro pés de uma mesa de centro com tampão de vidro grosso que se apoia nos pés feitos de livros. À mesa sentam até 13 pessoas: minha Santa Ceia particular, com direito a Judas Iscariotes e água em vinho saindo das torneiras das pias, do chuveiro e da descarga do vaso sanitário – pelo menos foi isso que me garantiu o rapaz que veio reformar meu banheiro. Tem coisas que até deus duvida. O teu deus, e não o meu deus ou minha deusa - porque o teu duvida de tudo. O meu deus ou a minha deusa sabe quem eu sou.