Onde teus pés sentem o chão

E ela sai, belíssima, no seu vestido de sereia. O que isso garante a ela? Nada. Sua pele bem branca, seu perfume. Sua conta bancária. Sim, garantem. Minha mão. Minha mão calejada, e a dela? E a sua voz? Taquara rachada. A minha é de barítono. Mas é isso, é real, é essa coisa concreta: essa coisa que nos jogam na cara e nos dizem que esquecemos. “Vocês esquecem que temos que fazer alguma coisa quando um paciente surta”. Sempre temos de fazer alguma coisa, não apenas quando o paciente surta – meu bem! Isso que tu diz pra mim, o vinho que tu bebe, a cerveja que tu derruba nos meus pés, o movimento das tuas mãos, o tom da tua voz, o olhar que desliza: sempre há alguma coisa pra fazer, não é apenas quando o teu paciente surta. Aí quando tu decide ser outro, quando tu mente. E ela? Mente o tempo inteiro – e a gente paga por isso. Mas há algo que me prende a ela, há algo que me liga: uma senha, uma biometria. O que ela fez por mim, por milhões, ninguém poderá fazer novamente. Outras e outros farão, mas por mim, só ela. É difícil dar-se conta que se está nas mãos dessa pessoa tão pequena (não necessariamente baixa). E estou. Só sou por causa dela, mas também sou apesar dela. Somos. Veja: agora eu estou surtando – e o que você vai fazer? Contenção? Aqui onde teus pés tocam o chão, aqui onde a materialidade do mundo chega o extremo, aqui: aqui é onde finco os olhos.