há momentos em que eu aposto, ou desejo acreditar, que na vida há certo equilíbrio, para não dizer mas já dizendo: justiça. penso que se tenho pouco aconchego no coração é porque tenho dinheiro sobrando no banco. penso que se tenho poucos músculos inflados, ou pelo menos definidos, é porque fui doutor aos 28. penso que se tenho poucos amigos é porque tenho muitos admiradores nem tão secretos. é imensamente triste pensar a vida nesses termos. é pobre, cinza, estreito e sufocante. é um toma-lá-dá-cá magro de qualquer coloratura ou densidade. não há nenhum equilíbrio, menos ainda justiça. há, sim, luta e disputa, ecos embaralhados. experiências desconexas que urdimos com cuidado, uma articulada com outra, criando uma linha entre tais que depois viemos a chamar de "nossa história de vida". isso não é o equilíbrio na forma de uma balança de dois braços, na qual o que falta de um lado é compensado de outro; não há nenhuma compensação. isso é equilíbrio na forma do equilibrista que se mantém sobre a corda-bamba, linha traiçoeira, rodeada pela queda. não há justiça, pois a justiça só precisou ser inventada, e só precisa vigorar, quando o equilíbrio da balança é perturbado. no equilíbrio do equilibrista, da corda-bamba, da linha traiçoeira, não existe justiça que restaure o estado ótimo do equilibrista; o equilibrista simplesmente cai da corda. isso é vida para quem não acredita que viver é algo reconfortante.