Burkas

[..]bia o que fazer com as mãos, com o olhar, com as pernas e com o cabelo. Acho até que eu tremia de leve. Se eu pudesse ir vestido com um sobretudo gigante, ou uma burka, eu iria. Ou então iria nu logo de uma vez, só de chinelos, com o pinto balangando no meio das pernas. Perderam-se a bússola, os relógios, as senhas dos cartões de crédito. Criou-se um outro lugar dentro dali mesmo, um outro espaço que flutuava sobre o chão. Habitávamos este, e não o que nos ofereciam. Eu pulava de rua em rua, de paralelepípedo em paralelepípedo, recusava o espelho cada vez que ia ao banheiro. Mas estávamos felizes, cada um de nós a seu modo. Havia costuras? Havia espinhas dorsais? Havia pontos de contato? Quiséramos. Talvez não. Pra ser feliz só dá quando estou me vendo no espelho do outro? Não sei, acho que não. E é possível que seja esta a razão de eu recusar o espelho quando eu estava no banheiro. Eu não queria, e não quero, me ver nele. Ele: um corpo silencioso. Corpos silenciosos não são sempre calmos. Ou melhor; ele: um corpo sinuoso. Corpos sinuosos são são sempre moles. Meus dedos estavam duros. Eu não sabia o que fazer com as mãos; logo, eu não sou um corpo calmo. Mas eu sou um corpo mole. E se eu arrancasse a burka? Não havia suspeita, mas eu estava completamente nu. Não havia bermuda nem camiseta que escondesse minha nudez – pelo menos não de mim mesmo. Havia pontos de contato? Não sei, não sei. Não sei se quero saber. Mas que me deu vontade de arrancar a camiseta, ahhh, iss[...]