[...]asia com a morte, com a dor, com o caos. tu chegou e tirou tudo, tudo: o ranço, o mofo. pegou com a mão e espanou o pó, arrancou as teias de aranha. os dias mais felizes da minha vida, os mais nublados, os mais frios, os mais demorados. nunca suportei aeroportos, e tu aterrissou em mim, abriu o reverso, ocupou o hangar. desembarcou pra dentro. tu tirou tudo com a mão: as ideações, os ideais, as dúvidas. ainda me pergunto como chegar em casa, o que fazer em casa, como limpar a casa. mas agora eu tenho tu, tu, tu. eu sorrio enquanto tu lava a louça de cueca furada. eu sorrio enquanto tu baba no travesseiro dormindo. eu sorrio enquanto tu escova os dentes pelado. um homem aterrissou em mim. eu trabalhando, tu assistindo tevê; eu deslizei o olho pro lado da tela pra te observar; o quase riso com a quase piada da série que eu indiquei; eu sabia que tu não estava gostando, mas tu te esforçava porque queria me agradar; eu sorri. eu nunca suportei aeroportos. eu sempre fiz banheirão em aeroportos: não mais. ou, talvez, sim, pensando em ti, em cada centímetro quadrado desse corpo pelo qual choro hoje de tesão e, ontem, de saudade. eu sinto a inveja em quem nos vê quando andamos na rua, quando jantamos juntos na tratoria, quando nos deitamos no gramado, quando pegamos o metrô, quando vamos ao supermercado e tu briga comigo porque estou comprando muito vinho ou se sigo escolhendo a manteiga mais cara. somos tão nós mesmos que irrita quem nos encontra. as frases que não precisam de palavras para terminar: eu sei qual o verbo, qual o adjetivo que tu usa pra a ironia apropriada. tu, tu, tu me preenche, na boca, na bunda, na insônia que tu suporta comigo e aguenta até o sol nascer pra depois voltar a dormir e levantar só às 11h. eu to odiando aviões. me levam pra longe de ti, e tu pra longe de mim a me espelhar no teu olhar até sumir. eu e tu: não há quarto que aguente, não há cama que sustente. pesamos, efervescemos, crescemos onde o lodo invejoso dos outros grassa. tu, tu, tu pediu pra vir e veio e ficou e eu chorei. e choro até hoje. e gozo até hoje onde tu me pedir pra gozar, e onde eu também assim escolher, pois cada centímetro quadrado da tua pele acolhe meu sêmen e a minha, o teu. compartilhamos peles. nem todo o látex do mundo enrolado em volta do meu pinto impediria a transmissão dos vírus mais potentes com os quais nos recontaminamos: a cumplicidade de quem vai desligar os aparelhos quando eu estiver em coma, a lealdade de quem vai trocar tuas fraldas quando estiver imóvel e inconsciente, a resignação de quem vai ver me ver apaixonar por outro e esperar passar. tu, tu, tu. aperto tuas mãos contra minhas costas pra enterrar teus dedos nas minhas costelas e te fazer entrar, imiscuir, mesclar, misturar. somos um humano de 46 pares de genes autossuficientes e complementares. teu esperma gruda no meu e faz gigantes: a vênus monstruosa sai da concha. queremos cada gole de toda a ressaca do outro. cada gemido de dor de cabeça. cada vômito, pois não temos nojo dos fluidos do corpo, das excreções do corpo. pois o meu é também o teu. se mijamos, mijamos juntos, e eu deixo tu molhar a mão no meu jato. e lambo tua mão depois, pois o que sai de mim sai de também de ti, e entra. tu, tu, tu em cada fotografia emoldurada do edifício copan. inteiro e sublime pensando em se jogar da janela. não seria criativo. eu, eu, eu te agarrando pela camiseta verde da osklen e suplicando: [...]