Cartas a uma Jovem Bicha - Astolfo

Astolfinho Jr.
Leia essa carta como se ela não existisse. Como se o papel estivesse em branco, como se essas letras fossem pálidas e escondidas, como se nada houvesse antes dessa carta, como se nada existisse neste instante. Palavras são apenas sinais gráficos que nós, humanos que somos, tentamos convencionar para articular e tentar expressar o que não se expressa, o que não se vê, o que não se mostra: sentimentos. Leia essa carta como se estivesse lendo o que se passa pelo meu coração, pela minha mente, pelo meu espírito. Quero que tu sejas de tal forma diferente depois dessas palavras que tenhas certeza que elas existiram. Mais que isso: quero que tenhas a certeza de que elas vieram de mim e de mais ninguém. O presente que te dou também é um presente que dou a mim mesmo.
Penso que devo falar de mim e de ti pelas desculpas. Pela parte em que se pede perdão, em que se pede compreensão, em que se pede o obséquio da paciência. Essa é normalmente a última parte, o último respiro profundo antes do mergulho no mar sem fim do adeus. Quando, entre duas pessoas, uma pede perdão para outra é sinal que essa relação já chegou num ponto tal de saturação que é capaz de não haver mais redenção para o motivo que faz essas duas pessoas estarem juntas. Peço desculpas pela aflição com que te chego nos momentos mais inoportunos, Astolfo. Peço desculpas pela ansiedade doentia com que interpreto tuas mensagens subliminares, pela pressa nas respostas que espero de ti, enfim, peço desculpas por tudo que espero de ti. E eu espero muito. Ignore meus surtos possessivos; o desprezo é a arma que mais me fere. Só te peço para não me ferires muito porque tudo em mim dói mais que o necessário, tudo em mim arde mais que o possível, porque sou dramático e exagerado. Não me fira, Astolfinho, mais do que tu feririas a ti próprio, pois se sou teu amigo é porque eu sou tu, e tu és eu de alguma forma. Estar em harmonia com o outro é vibrar na mesma freqüência que o outro, mesmo estando em realidades diferentes. A harmonia que tu me trazes é minha, mas é tua também.
Segue na direção em que teu medo cresce, Astolfinho.