Todas as fases do Fim - A Falsidade, parte 1

Eu vou te contar a história bem do jeito que aconteceu e vou te descrever todas as reações que eu pude ver nas expressões dele.

Não sei se tu lembras, eu já te falei sobre isso, mas acho melhor repetir pra ficar bem claro: eu era bem apaixonadinho por ele. Arrastava um bonde, caidaço mesmo. Daí rolou de a gente ficar, mas coisa pouca. Uma pegada aqui e ali, uma lua cheia no céu (e descobri depois, fazendo mapa astral, que naquele período a lua estava na casa 5, ou seja, era sexo & diversão & prazer & puro êxtase. Depois me dei conta que aquele era o mapa astral DELE e não o meu, é claro), um colchão qualquer e cuecas espalhadas pelo quarto. Ta, enfim, daí depois um virei um qualquer pra ele. Por mim beleza, eu posso lidar com isso. É normal, eu entendo, ele pode não ter me curtido, sei lá, o momento de vida dele não era pra romance, ok, ok, minha inteligência emocional é capaz de processar essa rejeição. Foi barra, mas eu consigo passar por isso quase ileso, não fossem as centenas de chicotadas que a auto-flagelação adora dar em mim. Ta, parei de drama. Aí um dia eu estava lá sentado lendo um livro na Redenção e tomando meu chimas, tri tranqüilo. Um dia lindo, solzão em Capricórnio, mas não estava quente. Até tinha um ventinho. Ele passou e me viu... Fez uma cara de surpresa ridícula, como quem diz “era óbvio que eu te encontraria aqui sozinho lendo um livro, já que é a única coisa que tu sabes fazer bem”, e veio na minha direção. Eu fechei o livro (era sobre pós-modernidade e sobre como o sujeito contemporâneo está fragmentado em milhões de pequenos sujeitos, às vezes sujeitos complementares, às vezes sujeitos opostos... entendeu?), mas continuei segurando firme a cuia (vai que eu precisasse jogar na cara dele, não é?), me levantei com um sorriso cú e nos cumprimentamos. O foda disso é que toda vez que a gente se encontra e que a gente começa a conversar eu me comporto como se sempre fosse a primeira vez porque eu fico nervoso e sem saber o que dizer, sem saber como começar um papo tranqüilo, eu sempre espero uma reação positiva dele pra qualquer pergunta e qualquer assunto que eu trago. Isso me deixa perdido. Já comecei o papo com ele perdido.

“E aí, o que tem feito”, eu perguntei, “ah, to aproveitando minhas férias, durmo até tarde, como bastante, faço bastante sexo, hahahahaha”, e eu “ahahahaha, ta certo”, acho que ali mesmo eu já deveria ter jogado a cuia, mas deixei passar. Pena. Eu disse “tem que aproveitar mesmo as férias, é um tempo que a gente tem pra nós mesmos”, tentando teorizar sobre qual a função das férias na vida de uma pessoa, sabes essas minhas saídas teóricas que uso pra escapar de uma saia justa de crepom sem fendas como esta, ele disse “é, pra nós e pros outros, porque a gente tem que estar aberto também pra outras pessoas que estejam em férias, aí duas pessoas que estão de férias podem inventar coisas divertidas pra fazerem juntas, a imaginação da gente é fértil, hahahaha”, e eu “hahahaha, é mesmo”, momento número 2 em que eu deveria ter jogado a cuia na cara do viado. “O dia ta bom hoje, eu não gosto desses calorões que fazem quando o sol está sob o signo de Capricórnio, eu curto mais o sol sob o signo de Câncer ou Leão”, e tu sabes que quando a gente apela pra esses papos de tempo, ainda mais assim, logo no início da conversa, é porque a saia vem ficando justa, vem ficando justa, justa de uma forma que tu ta vendo de longe que a calcinha vai aparecer a qualquer momento porque a saia está pra rasgar ali, na hora, e eu sempre tentando levar a conversa pra um nível mais geral justamente pra não cair num nível mais pessoal, porque senão eu ia começar a lembrar das nossas coisas, das nossas outras conversas, e ia me afundar nesse poço que não dá pé, dos meus sentimentos em relação a ele, e eu ia me afogar ali. Até porque ele estava lindo naquele dia, lindo, desgraçado, lindo, e eu me irrito com gente linda. E com gente loira. E ele é lindo e loiro. “Ahhh, não! Eu gosto de calor porque todo mundo tira a roupa, fica sem camisa, e dá pra paquerar mais na rua, tipo pegar uma bicicleta e dar uma banda aqui na Redenção, bah, rola muita paquera aqui, cara, eu nunca pensei que rolasse tanto, ontem mesmo eu conheci dois caras, meu, dois caras vieram falar comigo, e olha que eu nem fiz muito esforço... quer dizer, eu tirei a camiseta, hahahaha, foi só esse o esforço, hahaha!”, tu acreditas que eu tive de escutar essa narrativa? Pois é, eu escutei, impassível, um véu de dissimulação pousava sobre mim, eu sorri, olhei pro horizonte, pensei ‘não, não, não e não’, era o momento número 3 de jogar a cuia & a térmica com água quente INTEIRA na cara, pra deformar mesmo, sabes, pra levantar bolhas de queimaduras de segundo e terceiro graus naquela pele branca, pele alva, levantar bolhas entre os pêlos daquela barba ruiva na qual eu me perdi uma certa noite, pra levantar bolhas entre os olhos verdes, ai que raiva. Mas não fiz nada disso, pra dar piti tem hora e tem lugar, ali não dava. Eu até queria gritar muito, mandar ele embora e mandar ele à merda, mas ao mesmo tempo eu queria que ele ficasse ali comigo porque eu gosto dele, eu gosto de estar perto dele porque eu gosto do cheiro, do calor que vêm dele. Acho que eu sempre quero ele por perto pra eu pensar que eu sempre posso seduzir ele de vez, sempre posso surpreender ele de algum jeito que faça ele pensar ‘bah, mas eu nunca tinha visto como ele é bonito desse ângulo’ ou coisa do tipo ‘nossa, como ele é inteligente, eu queria namorar alguém assim’. Sabe, umas coisas bem trouxas de gente romântica e fodida pra caralho? E eu me saí com uma “é, aqui na Redenção a paquera rola solta, acho isso legal, essa liberdade de olhares, de intenções, eu to na rota de desejo de todo mundo e todo mundo ta na minha rota de desejo, se a gente for pensar bem, isso é muito legal e muito libertador”, me saí de novo pros lados das teorizações, das elucubrações, fugi pro mundo das Idéias. Lugar de onde, aliás, eu jamais deveria ter saído. Mas aí ele continuou, bem deslavado, “um dos caras era ruim, bem bonito, mas muito burro, sabe, sem papo. Mas, cara, o outro era demais! Tri definido, corpo legal mesmo, e muito inteligente, cara! Ele tinha assistido o mesmo filme que eu vi no cinema semana passada, e a gente ficou conversando sobre cinema um tempão. Aí eu disse que a melhor coisa é tomar um vinho depois de um cinema, mas assim, tomar um vinho legal, acompanhado, e conversar bastante, e o cara me disse que curtia muito vinho, e a gente ficou falando horas sobre vinhos, bah, muito show!”. Puta, aí eu perdi a paciência, né?!
CONTINUA.........