Limonada com limões; venenos com antídotos

[...]eiro tá meio que vazando, sei lá. Pinga, pinga, pinga. Não quero chamar alguém que entenda de instalação hidráulica porque pra essas coisas de manutenção de casa, de canos, de azulejos, de pintura, de eletricidade, pra essas coisas eu sou um preguiçoso. Essa coisa de gerenciar a casa eu até me viro, faço planilhas de gastos, sei perfeitamente quanto vai dar a fatura dos cartões, quanto eu gasto no supermercado. Tenho uma verdadeira coleção de desinfetantes, de sapólios, de esponjas, de panos de chão. Água sanitária tenho duas: uma pra cozinha e área de serviço e outra pro banheiro. Passo todas as minhas calças jeans, depois penduro elas em cabides individuais, com caimento bem reto, sempre na mesma altura, e as distribuo em tons degradê do mais claro ao mais escuro. Mas instalação elétrica, colocação de azulejos, reparação de vazamentos... Isso me cansa muito. Eu lido apenas com uma parte da vida prática, da vida real, apenas uma parte dessa vivência cotidiana me interessa: a limpeza e a organização. Mas a reparação do que já está dado... Se queima o HD do meu notebook, eu já quero comprar outro. Se tem vazamento no chuveiro, vou na loja e compro um novo. E assim eu sou com as pessoas. Beijo ruim? Mentira? Falsidade? Songamonguice? Egocentrismo? Não mando pro conserto: eu termino tudo e procuro uma nova amizade, um novo namorado, um novo emprego. Mas não te engana: eu também sou rejeitado. Comigo também acontece essa intolerância, essa resistência a me consertar. Mas a própria rejeição é uma maneira de me consertar. Sim, rejeição, sim. Tem vezes que eu fico bobo, criando um personagem na minha cabeça que eu vou colando em corpos, quaisquer corpos, e vou exigindo que esses corpos correspondam ao meu personagem. Foi o que fiz com ele. E daí, quando me dou conta que não sou desejado, ou que simplesmente a pessoa está em outra, ou que quer ficar sozinha, ou que não se interessou, aí considero rejeição. Bom, o importante é que a rejeição me faz pensar. Essa estratégia – porque é uma estratégia, um planejamento, uma tática de sobrevivência – essa estratégia é aquela de transformar limões em limonadas. De transformar o veneno em antídoto. Em vacina. O problema é que nunca me vacino, de fato, contra essas paixões intempestivas. Ele era um corpo a se tocar, um corpo a se manipular. De maneira sórdida, tudo bem! Ou de maneira suave. Mas não houve como preservar, não houve como manter, não houve como fazer a manutenção disso. Me pegou bem naquilo que detesto fazer! E pelo jeito ele também não gosta. Durou uma semana, contadinha, a minha profunda admiração por aquele pedaço de carne que tem tudo pra ser muito mais que isso. Um pedaço de carne desafiante, intrigante, misterioso. Adoro isso. Atitude blasé, segura e descompromissada. Inteligência brilhante e singela. Silêncios oportunos, olhares certeiros. Um corpo nada dócil, vacinado contra tudo aquilo que me seduz, vacinado contra toda minha sedução. Meu veneno não faz efeito nesse pedaço de carne – que é tudo isso e mais que carne. É claro que me interessei pela carne, pelas cores e densidades da carne. Mas o que me escapa e o que me fascina é justamente aquilo que excede a carne! E que não consigo alcançar! Jamais vou alcançar, e tudo bem. “Vou viajar, lá longe tem o coração de mais alguém”. Tás escutando isso? Esse “plic.... plic.... plic”, som metálico? São os pingos de água do chuveiro sobre o piso do box. Vazamento nesta porra! E agora? Eu to sem dinheiro e sem vontade de ligar pro encanador porque ele vai marcar um dia pra vir aqui que certamente eu não poder estar, é sempre assim. Detesto essa vida prática de dono de casa. Talvez se eu tirasse esse chuv[...]