Uma nova estação

[...]cisar ter aquela inundação de álcool nas minhas veias. Não era necessário. E fui me deitar, cheio de desodorante e um livro de muitas páginas, bem pesado, para ler. Aos poucos, aquela realidade de ressacas torrenciais, de batalhas hepáticas; aos poucos a dor de cabeça, a dor de estômago, a náusea terrível que colocava pra fora apenas suco gástrico, esses dias de ressaca vão ficando distantes. A única coisa que detestei da noite de ontem pro dia de hoje foi o fim do horário de verão. Fiz um minuto de silêncio pelo horário de verão antes de atrasar em uma hora meus relógios: uma parte do meu bom humor ficará também atrasado em uma hora. A partir de agora os dias vão se arrastar, e o sol vai mudar seu eixo, e vai se por mais cedo. Verdade, detesto calor, detesto aqueles dias em que a luz chega a doer nos olhos e a sensação é de que o sol será eterno sobre as nossas cabeças. Enfim, é preciso se preparar para as delícias do outono e, em seguida, as agruras e aconchegos do inverno. Da cerveja migro pro vinho; a água do banho vai progressivamente ficando mais quente; um cobertor a mais sobre a cama; um casaco a mais sobre o corpo. Este será um inverno rigoroso: não tanto pelas baixas temperaturas, mas pelas tarefas que terei de arcar, pelas discórdias que terei de desfazer – e não somente entre mim e os outros, mas, sobretudo, entre mim e mim mesmo. Novas estações pedem por isso, e o inverno, tu sabes, é aquela estação em que nos trancamos em casa e ficamos ali sozinhos nas nossas pequenas e belas ilhas desertas. Sim... É... No verão eu já faço isso, sobretudo depois que comprei o ar condicionado. Mas no por do sol, que no verão é sempre atrasado, passa uma eletricidade no corpo, e vem um desejo de sentar na rua, no burburinho, pedir uma cerveja gelada. No inverno eu prefiro vinho tinto e grandes silêncios interrompidos apenas pela voz da Billie. Então, é preciso preparar-se para uma nova estação. E vou começar a pensar no meu guarda roupas porque meus casac[...]