Cartas a uma Jovem Bicha - O sono

Por quantas e quantas vezes teu corpo pesou sobre essa banqueta simples de madeira, com o estofado forrado de couro. Teu corpo jogava-se aqui em cima e dialogava com o meu, pouco mais próximo. Teu corpo sobre a banqueta esperava pelo meu, que pouco tempo depois já estava pesando sobre o teu. E agora o meu corpo pesa sozinho sobre a banqueta a espera de um dia seguido de uma noite, e outro dia, e outra noite. E assim até alcançar a incrível marca do quase total esquecimento do teu corpo. O meu corpo, enquanto isso, vai se jogando de um precipício, depois de outro, depois de outro, um precipício de cada vez para que toda a noite haja um precipício diferente em que eu possa chegar à beirada e deixar meu corpo cair, primeiro suave, depois desesperadamente até estilhaçar-se no chão para dormir. Dormir como quem morre. É meu entretenimento de cada noite me jogar de um precipício, nada me dói tanto, mas é tudo que me mantém afastado do teu corpo.
Durma bem com teu corpo.