Meu testemunho pessimista

Todas as pessoas que eu conheço e que eu conheci são e foram más. Algumas delas são e foram também boas, além de más. Sobretudo, todas más. Não quero estender essa característica para todos os humanos do mundo, os que vieram antes, os que aí estão e os que virão a seguir. Estou apenas dando meu testemunho em que, infelizmente e mais que todas as pessoas, eu me encaixo.

São e foram todas más as pessoas que por mim passaram porque acredito que existiu e existe para elas uma cisão entre dois domínios de seu modo de ser: de um lado o domínio daquilo que dizem e daquilo que fazem, atos que são da ordem da materialidade, da transparência, do visível e do compreensível. De outro, há o domínio daquilo que pensam e daquilo que sentem, que estão invariavelmente inscritos na ordem do indizível, do oculto, do misterioso e do caótico. Nesse domínio contraditório, onde a elegância se choca com raiva, surge a maldade.

Neste último, alimentamos monstros, fantasmas, fantasias, medos e contradições que nem sempre – raramente – transpõem a fronteira bem marcada que separa o que deve ser dito do que deve permanecer em silêncio. Por diversas vezes, pensamos e sentimos um bloco de idéias e sentimentos sobre alguém ou sobre alguma situação, mas mantemos essas idéias ou esses pensamentos conosco, bem guardados, porque há crueldade, perversidade, contradição naquilo que pensamos, naquilo que sentimos. Há aqueles que expressam suas controvérsias através da arte, há outros que bebem suas controvérsias com álcool, há muitos que as cheiram com cocaína, outros tantos que as fumam com maconha, há o grupo dos que se deprimem com elas e também o grupo dos eufóricos mentirosos que com elas se alegram, mas que ao mesmo tempo as omitem. Todos têm medo de dizer o que pensam e o que sentem porque suas idéias e seus pensamentos não obedecem as regras de etiqueta, as regras de boa educação, as normas religiosas ou os acordos éticos pactuados um com os outros.

Mas todos sentem. E alguns pensam. E poucos materializam seus sentimentos e suas idéias formulando-os de forma clara, trazendo-os do vão escuro do não-dizer para a claridade incômoda daquilo que é enunciado. Poucos dizem e poucos fazem. Porque é difícil ordenar o caos, porque é difícil classificar e hierarquizar o que sentimos. Porque o que sentimos e o que pensamos não são sentimentos nem idéias dóceis que se deixam facilmente domar, ou que se permitem acomodar sem esforço nas inúmeras gavetas e compartimentos que construímos para eles.

É pessimista, dualista, binário e pobre esse meu testemunho. Repito que não quero torná-lo, além disso, também generalista a ponto de fazê-lo regra para todos. Mas é o único até agora que me serve de explicação, que dá uma resposta a mim satisfatória para aquilo sobre o que me questiono. Não podemos viver de perguntas, não é mesmo? Precisamos também de respostas – por favor! – para existir alguma concretude em que podemos nos agarrar. Senão a vida se torna muito ameaçadora, e corremos o risco de não suportar, de não compreender, de enlouquecer, de morrer sem notar.