Cartas a uma Jovem Bicha - (Sem assunto)

Passei o dia pensando se deveria te responder o recado que me deixaste. Depois decidi que iria responder, e em seguida me perguntei sobre o que eu te diria e sobre como eu te diria. Ainda não tenho certeza disso que estou fazendo, mas se já estou fazendo é porque preciso fazer (estando isso certo, errado ou nenhuma das alternativas anteriores).

Acho que tu não deves te sentir culpado pelo que aconteceu. Por não ter me dado atenção, por não ter me ajudado quando te chamei. Acho que a responsabilidade de haver essa, digamos, "falha de comunicação" é de nós dois, ela é nossa, tanto minha quanta tua. Assumo minha parte nesse mal entendido.
Tem uma frase de uma música do Caetano, "Americanos", que diz "... algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando". É mais ou menos como eu venho me sentindo em relação a ti nos últimos meses. Não te culpo, apesar de ter ficado profundamente magoado, por não teres ido ao hospital, por não teres me atendido ao telefone, por não teres dado atenção ao fato de eu ter tido um acidente. Fiquei magoado, sim, mas não te culpo. Eu te entendo e acho que tu agiste da forma com que tu pôdes agir naquele momento. Eu acho que o nosso "problema" (várias aspas entre essa palavra), eu acho que o nosso descompasso, eu acho que o nosso vazio vem de muito antes. Depois pensando no que eu tinha feito, quero dizer, ter te ligado pra pedir ajuda quando eu estava no hospital, eu me senti ridículo. Porque era óbvio que tu não irias, óbvio. Era óbvio que tu não irias ao hospital me ajudar porque há meses eu e tu não nos falamos a sós – tem sempre alguém entre nós, tem sempre alguém conosco -, porque há meses eu não sei se tu estás bem, ou estás mal, ou estás indiferente, e tu também não sabe como eu tenho estado nos últimos tempos. Porque a gente não se fala mais, a gente não se liga, a gente não se importa mais um com o outro.
Eu não quero ter que te desculpar de uma situação constrangedora a cada vez que tu venhas pra cá. Até porque isso é muito arrogante, parece que eu sou perfeito e quem caga é sempre tu; isso é mentira, eu também faço minhas merdas. E justamente por isso, acho um saco que cada vez que a gente se encontre a gente tenha que se pedir desculpas pela forma com que a gente é, com que a gente existe, pela forma com que a gente age. Isso acontece porque estamos mudando, eu em relação a ti, tu em relação a mim, nós em relação aos outros. Não te acho, nunca, melhor ou pior que eu, e eu também não me acho melhor ou pior que tu. Sempre soubemos que éramos diferentes, desde o início, mas nos últimos meses as nossas diferenças têm me feito sofrer muito.
Não quero dar uma conclusão pra esse texto nem pra nossa amizade porque não acredito em conclusões. Mas quero deixar marcadas nossas diferenças.