Sobre meus arrepios e sussurros

Ela não se arrepende de ter ido, mas sinceramente preferiu ter voltado. O fato de ter ido a fez corajosa, a fez bonita. O fato de ter voltado, entretanto, a fez sensata e a fez madura.

Foi sem nenhuma pretensão, sem nenhum plano previamente calculado. Ela foi sem saber o que a esperava, ela foi sabendo jogar-se numa bruma fechada, neblina severa, ela foi sem a certeza do chão pra pisar, mas que susto levou ao dar passos em rochas sólidas e escadas com inúmeros degraus que as levaram até o topo onde ela nunca, talvez uma única vez, quis chegar. E chegou. “A vista aqui do alto é bela”, ela disse, “o vento aqui sopra mais forte, e o sol brilha sobre as nuvens, e os pássaros batem suas asas quase parando no ar, e tudo aqui de cima parece muito pequeno e muito irrelevante. É bonito, é muito bonito”. Ela não queria subir – nem imaginava que subiria – mas depois de fazê-lo admirou a paisagem com humildade.

Quis descer num átimo. Porque o que valeu foi ter subido e não ter chegado ao topo. Porque o que lhe importou foi o esforço ao longo da escada e não o vento, nem o sol, nem as nuvens, nem os pássaros, nem a sensação de que lá pouco, ou quase nada, lhe importava. Nem a beleza se fazia pesar. Ela quis descer simplesmente porque já havia chegado. E o que viu de cima lhe pareceu belo, mas lhe pareceu frugal. Lá no chão, antes da bruma fechada e da neblina severa, para lá ela voltaria mais feliz do que tinha partido outrora. Porque o que lhe dá esse verniz brilhoso de sedução não são as máximas conquistas, mas as recorrentes tentativas. O que faz dela ela própria, o que lhe dá o poder de dizer com o efeito de ter dito de fato, o que lhe dá a habilidade de desaparecer com as dúvidas a cada uma de suas afirmações é a beleza das guerreiras que não conquistam nenhum reino, não formam nenhum império, não recrutam nenhuma horda, mas que apenas peleiam.

E é na peleia que ela encanta. E foi então que ela voltou do topo. E desceu as escadarias, e passou pela neblina e pela bruma, e chegou de onde saíra. Sentiu-se diferente, sentiu-se outra. Sentiu que está mais segura – e mais feliz, bem mais feliz – longe dos primeiros degraus destas escadarias sinistras que nos levam a topos que são belos, sim, porém inúteis.