estou prestes a mudar. o emprego do reflexivo "mudar-me" faria mais sentido e toda a diferença. no entanto, quero salientar precisamente a beirada da iminência de trocar, renovar, substituir, refazer. como numa roupa nova que vestimos em frente ao espelho, que tocamos com as mãos, tocamos as costuras com as pontas dos dedos, num esboço de sorriso frente à nossa imagem refletida. e nos orgulhamos de cada detalhe, da cor e do caimento no corpo, dos botões: trocados, renovados, substituídos, refeitos. um novo chão onde pisar (ainda sim um chão e ainda sim pisando), novas paredes e novos tijolos em que se pode arranhar as unhas, novas divisórias que levam a novas formas de olhar, novos cheiros, novas luzes, amanheceres desconectados de qualquer glória. são apenas um sol surgindo, tomados exatamente naquilo são, sem promessas de novas vidas ou de vidas diferentes. porque minha vida permanecerá esta, se caso eu não operar mudanças no que vejo, sinto, penso, digo e faço. apenas mais um sol circundando o globo, sem nenhuma promessa de melhoria, de sabedoria, de um pau maior e mais duro, de um romance ou de reconhecimento profissional nacional ou internacional. apenas um sol me acordando, só isso, só mais uma luz, que se afasta daqueles que perdem seu significado. resquícios de vozes, que sei de quem são, chegam à minha janela. em breve não será mais minha janela, nem mais essas vozes. o mesmo sol, a mesma vida, para outras vozes e para outras janelas.