mais uma vez: chutando paredes, descendo até o chão com a testa, ajoelhando no asfalto quente. segmentos lacunares de pessoas que preencho com todas as hipóteses e suposições. elas vêm de algum lugar, fluem para dentro de mim de uma exterioridade e se divertem. chamam meus esqueletos para dançar - os esqueletos de pessoas mortas, que eu matei, que já não estão mais na minha vida, mas que mesmo assim ainda mantêm seus restos mortais na coisa viva que é minha história: a narrativa que faço de mim. não vou destituir os mortos (os assassinados por mim) do seu lugar na minha memória, do seu espaço nas lembranças que eu resgato e aciono para contar de mim. esses estão aqui com seus restos mortais, com sorrisos em suas caveiras, mortos (assassinados) porém presentes. pessoas que eu odeio - odeio? é ódio o que eu sinto? ou o que sinto é uma janela aberta no temporal, sinto uma superfície pública vulnerável, sinto um buraco vazio exposto - uma parte de mim que é cemitério em dia de finados. uma parte de mim que é um leprosário em dia de parto. isto não é nenhuma novidade: pensei que (desejei que) hoje talvez pudesse ter sido apenas um sonho ruim. não um pesadelo, apenas um sonho desconfortável, um dia que tenha a duração e o conteúdo de um dia angustiante. não houve momento na minha vida em que eu tenha pensado que talvez o dia pudesse ter sido alguma vez um sonho bom (ou apenas, como dizem os felizes, "este dia foi um sonho!"). nenhum dos meus dias foi sonho até hoje. pensei que (desejei que) a morte talvez pudesse ser algo não totalmente expulso do campo de possibilidades de se lidar com o mundo. morrer (assassinar) pode ser uma forma de lidar com o mundo. volto a ajoelhar no asfalto quente, lidando com a vida.