peçam de mim um gole, uma lambida, um soco, peçam de mim uma palavra, e a terão. amaldiçoo o dia inteiro, e a noite inteira, que se acabam sem glória e sem promessa de repetição, sem zunido de festa, sem risos, sem alegria. desfaço qualquer nó ou tumba, qualquer farrapo e qualquer sarcófago, locupleto-me na morte sem ouro nem horizonte infindável. riam de mim. gargalhem. pego em armas se for preciso, pego nas rosas e nas gardênias, nas fardas, nas metralhadoras. solicitem bombas, ou livros, ou vídeos, ou música: eu os darei e lhes explicarei, todos ao reverso, todos ao contrário, as letras todas arranhadas de trás para frente, consolidando o que de mal há não só no som mas em todo o mundo criado por deus. dirijam-se ao palanque, à tribuna. haverá de falar em nome de mim e de todos vocês aquele que não tem mais voz e que se ocupa das nossas para proferir mentiras. prefira mentiras à hipocrisia, e verá quem é teu amigo. a mim nunca faltou véu, nem echarpe, nunca se deduziu coisa muito distante daquilo que eu manifestei, a não ser no dia em que fui tido como mau caráter. nada mais  injusto. de julgamentos em julgamentos vamos enchendo nosso escroto, bem avolumado, bem viril, que ostentamos em praça e tv públicas. honramo-nos e honramos a família. queríamos o pai e o filho, e o espírito santo veio apenas a calhar, como gel lubrificante para tudo o que aconteceria depois. pois venha você até mim e encontre-se, abra-me e verás o quanto há de contradição e de loucura em tudo o que falamos, desordene-se em face de mim e faça a melhor coisa que poderia fazer em vida, ou em morte, ou em coisa qualquer que não seja neste mundo: assuma o erro. errar não é humano. corra e fuja, mas haverá essas pontes e cadafalsos em sua mente onde tu estarás sempre enforcado. haverá plateia, haverá juri, haverá torcida, haverá transmissão ao vivo. queira sempre estar em volta, nas minhas costas, pressionando minhas glândulas lacrimais, lambendo minha virilha. tua barba na minha, friccionando, cantando hinos de louvor às Forças Armadas. da pele áspera sabe-se pouco, mas do sorriso macabro e da ilusão noturna não se tem dúvidas sobre as hordas que nelas avançam, em silêncio, assassinando tudo o que encontram, desde pontes até flores. consumam seus olhares em fogueiras abstratas feitas de livros em chamas, feitas de quadros em chamas, feitas de vestidos de cetim e renda, ou seda, que homens gostam de usar ao serem fodidos por outros homens. pois é isto: creiam que estarão fazendo justiça, creiam que seus juízes são os mais sábios, creiam que há lógica ou coerência, e será aí que hão de ruir e despencar, erodir, implodir. cortem minha língua e quebrem meus dedos. abram as portas no escuro.